segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Crítica: Pequeno Inventário de Impropriedades

Foto: SECOM/Itajaí - Victor Schneider
Deslimite
Crítica de Humberto Giancristofaro para a peça Pequeno Inventário de Impropriedades, da Téspis Cia. de Teatro – Itajaí/SC

Um homem comum, uma vida comum, um cotidiano comum. Em meio a tanta previsibilidade, adormece qualquer vontade de realização e o personagem da peça Pequeno Inventário de Impropriedades se repete na sua vida ordinária. Mas o que é preciso fazer, ou pelo que é preciso passar para que a vida seja chacoalhada e um novo animo tome conta do seu ser? Com este homem, uma cadeia de violências, transformam o pacato senhor em uma besta fera, cheio de energia e potência. Violências, porém, que se revelam cotidianas e formadoras da vida. O ator e dramaturgo Max Reinert constrói esse personagem expondo a intimidade de seu pensamento. Esse é o dispositivo principal da peça, misturar o universo interior do pensamento com o das ações. Dentro da cabeça, esse homem vai descobrindo que pode mais do que sua coragem lhe permite. Aos poucos, a força desses pensamentos conferem energia para modificar as decisões e as suas ações. A direção de Denise da Luz opta por ir revelando aos poucos essa transformação para que ela seja plausível e não cause um distanciamento do publico, por maior que seja a estranheza que surja, o espectador é sempre levado a confiar naquele personagem.

Foto: SECOM/Itajaí - Victor Schneider
O dispositivo que coloca no mesmo nível pensamento e ação faz a realidade parecer duvidosa. Em alguns momentos não se sabe se o que estamos assistindo é uma ideia escondida no fundo da mente daquele homem ou se ele realmente passou por aquilo. Como é o caso de sua internação num hospício, não se sabe se esse é um medo ou um fato na vida do personagem. Mas uma coisa é certa, mentalmente ou fisicamente tanto faz, ele passa por essas experiências que deixam marcas na sua vida. Essa é uma questão forte da peça: mesmo o que é imaginado tem seu nível de realidade. O auge dessa mescla que confere materialidade ao pensamento é vista enquanto o personagem sonha. Ele devaneia com cavalos toda a noite, ilustrando a sua fobia da vida. Essa imagem pode ser equiparada ao caso clássico do pequeno Hans, paciente de Freud que projetou para o medo de cavalos toda as suas inseguranças, especialmente as relacionadas a figura de seu pai.

Foto: SECOM/Itajaí - Victor Schneider
Na peça Pequeno Inventário de impropriedades o personagem com sua incapacidade de sentir qualquer coisa - ele não sente nada pelos filhos, pela mulher, nem por ninguém - supera sua fobia pela sua transformação em um devir-cavalo. O personagem aparece vestido com a cabeça de um cavalo e, a partir dessa metamorfose, ganha forças para atuar cada vez mais de acordo com seus pensamentos. Ou seja, abre espaço para eliminar a mesmice da sua vida e passa a se tornar cada vez mais violento. A violência, porém, não é vista aqui de forma pejorativa, é uma violência para romper as amarras e possibilitar uma nova posição diante a vida.

Outro dispositivo utilizado por Max em seu texto é a inserção de narrações. Elas servem como um referencial, como uma voz de fora da realidade daquele personagem que tem o poder de guiá-lo, de ajudá-lo a se posicionar e se expressar com mais exatidão. A narração é uma voz da consciência que o leva a concluir que “nos igualamos na dor”. Com esse reconhecimento a peça fecha o seu ciclo, no qual o personagem não se vê especial porque sofre, ao contrário ele é comum por sofrer as mesmas dores que todos passam e é isso que nos irmana.

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